MEDIDA
PROVISÓRIA 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020: FORÇA MAIOR. CONSTITUCIONALIDADE,
GARANTIA DE IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS. SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO CONTRATO
DE TRABALHO.
Por Jair Calsa - advogado, pós graduado em Direito Civil e Processual
Civil (lato sensu) pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP/SP) e pós
graduado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho (lato sensu) pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-CAMPINAS/SP.
1.
Introdução
O Presidente
da República mandou publicar a Medida Provisória 927/2020 em 22.03.2020, que
dispõe “sobre as medidas trabalhistas
para enfrentamento do estado de calamidade pública”, tendo em vista a
necessidade de isolamento social durante período determinado pelas autoridades
da área de saúde pública, por prevenção ao “coronavírus”. Nesse breve artigo, a
intenção é analisar as questões de “força maior” para implementação das
“medidas trabalhistas”, bem como, a questão da segurança jurídica, chegando a
Constitucionalidade da MP. Principalmente no aspecto da redução ou não pagamento
de salários, caso não negociados com a participação dos sindicatos. Certamente
teremos argumentos contrários a interpretação aqui trazida, o que é salutar
para o debate jurídico. O primeiro questionamento: a calamidade pública não
seria ampliada com o afastamento dos trabalhadores do local de trabalho mediante
redução ou não pagamento de salários?
2. Força
maior
A Medida
provisória analisada, remete, no parágrafo único do artigo primeiro, ao disposto
no artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre a aplicação da
situação de “Força Maior”. Trata-se do primeiro artigo do capítulo VIII da CLT.
Importante analisar de início o que dispõe o parágrafo segundo do referido
artigo 501 da CLT. Vejamos:
“§ 2º - À ocorrência do motivo de
força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em
tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as
restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.”
Necessário,
primeiramente, verificar a concreta degradação financeira da empresa, para
aplicação do motivo de “força maior” ou “caso fortuito”, isso conforme as
previsões dos artigos 501 a 503 da CLT.
3. Constitucionalidade.
Redução de salários.
O artigo 2º
da MP prevê que durante o estado de calamidade pública, “empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a
fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância
sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os
limites estabelecidos na Constituição.”
Para abordar
a Constitucionalidade do artigo, importante analisar a disposição final do mesmo:
“a fim de garantir a permanência do
vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos
normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na
Constituição.”
Há
incoerência visível no dispositivo, trazendo insegurança a empregado e
empregador. Vejamos.
O artigo 7º,
inciso VI da Constituição Federal assim estabelece:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo de trabalho.”
De pronto,
quando a redação da MP estabelece a realização de acordo individual para
manutenção do vínculo empregatício, evidente que esse acordo não poderá reduzir
salários conforme previsto no inciso VI do artigo 7º da Constituição acima
transcrito. Isso, sob pena de que o acordo individual seja caracterizado como
inconstitucional. Assim, havendo necessidade de redução ou supressão salarial
para garantia do emprego, a negociação necessariamente será realizada com a
participação do sindicato de trabalhadores, que submeterá a proposta patronal
aos empregados em regular assembleia.
4.
Suspensão e interrupção do contrato de trabalho. Constitucionalidade.
Muito embora
tenha sido revogado logo em seguida pelo Presidente da República, o artigo 18
da MP estabelecia: “...o contrato de
trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação
do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial
oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis
pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.”
Eis as demais
disposições do artigo 18 revogado:
§ 1º A suspensão de que trata o caput:
I - não dependerá de acordo ou convenção coletiva;
II - poderá ser acordada individualmente com o empregado
ou o grupo de empregados; e
III - será registrada em carteira de trabalho física ou
eletrônica.
§ 2º O empregador poderá conceder ao empregado
ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de
suspensão contratual nos termos do disposto no caput, com valor
definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual.
§ 3º Durante o período de suspensão contratual para
participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado
fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, que não
integrarão o contrato de trabalho.
§ 4º Nas hipóteses de, durante a suspensão do
contrato, o curso ou programa de qualificação profissional não ser ministrado
ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, a suspensão ficará
descaracterizada e sujeitará o empregador:
I - ao pagamento imediato dos salários e dos encargos
sociais referentes ao período;
II - às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor;
e
III - às sanções previstas em acordo ou convenção
coletiva.
§ 5º Não haverá concessão de bolsa-qualificação no
âmbito da suspensão de contrato de trabalho para qualificação do trabalhador de
que trata este artigo e o art. 476-A da Consolidação das Leis do
Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
Os operadores
do Direito do Trabalho sabem perfeitamente que, a suspensão do contrato de
trabalho é extremamente prejudicial ao trabalhador. Na suspensão, não haverá
pagamento de salários e menos ainda, por consequência, contagem de tempo para
efeito de aposentadoria. Já, na interrupção do contrato, ocorre o pagamento de
salários e o tempo da interrupção computado para fins de aposentadoria. A
conclusão é que a suspensão do contrato de trabalho na forma proposta e depois
revogada que constava do artigo dezoito da Medida Provisória é
inconstitucional. Na mesma linha de interpretação acima, de que não poderá
reduzir ou suprimir salários, conforme previsto no inciso VI do artigo 7º da
Constituição, sem que ocorra negociação coletiva com a presença da entidade
sindical e aprovação ou não pela assembleia de trabalhadores da empresa.
5.
Conclusões
Provado o estado
de “força maior” ou “caso fortuito”, com a degradação financeira demonstrada
por balanços financeiros mensais, a empresa pode solicitar ao sindicato de
trabalhadores, seja realizada assembleia, apresentando a proposta, ou
propostas, aos mesmos e se aprovada ou aprovadas, serão deduzidas em acordo
coletivo para registro. Caso contrário, seguindo o que dispõe a Medida
Provisória, o acordo individual de redução ou supressão de salários, submetido
ao crivo do Judiciário, invariavelmente será julgado nulo pela Justiça. A
dignidade da pessoa humana é princípio absoluto previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.
Impossível nesse momento de “calamidade pública”, conceber a ampliação do
desequilíbrio social e fragilização da parte mais vulnerável, os trabalhadores,
não observando os princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana e,
irredutibilidade ou supressão de salários.