segunda-feira, 23 de março de 2020

MEDIDA PROVISÓRIA 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020: FORÇA MAIOR. CONSTITUCIONALIDADE, GARANTIA DE IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS. SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.




MEDIDA PROVISÓRIA 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020: FORÇA MAIOR. CONSTITUCIONALIDADE, GARANTIA DE IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS. SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.

Por Jair Calsa - advogado, pós graduado em Direito Civil e Processual Civil (lato sensu) pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP/SP) e pós graduado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho (lato sensu) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-CAMPINAS/SP.


1. Introdução

O Presidente da República mandou publicar a Medida Provisória 927/2020 em 22.03.2020, que dispõe “sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública”, tendo em vista a necessidade de isolamento social durante período determinado pelas autoridades da área de saúde pública, por prevenção ao “coronavírus”. Nesse breve artigo, a intenção é analisar as questões de “força maior” para implementação das “medidas trabalhistas”, bem como, a questão da segurança jurídica, chegando a Constitucionalidade da MP. Principalmente no aspecto da redução ou não pagamento de salários, caso não negociados com a participação dos sindicatos. Certamente teremos argumentos contrários a interpretação aqui trazida, o que é salutar para o debate jurídico. O primeiro questionamento: a calamidade pública não seria ampliada com o afastamento dos trabalhadores do local de trabalho mediante redução ou não pagamento de salários?


2. Força maior

A Medida provisória analisada, remete, no parágrafo único do artigo primeiro, ao disposto no artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre a aplicação da situação de “Força Maior”. Trata-se do primeiro artigo do capítulo VIII da CLT. Importante analisar de início o que dispõe o parágrafo segundo do referido artigo 501 da CLT. Vejamos:
“§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.” 
Necessário, primeiramente, verificar a concreta degradação financeira da empresa, para aplicação do motivo de “força maior” ou “caso fortuito”, isso conforme as previsões dos artigos 501 a 503 da CLT.


3. Constitucionalidade. Redução de salários.

O artigo 2º da MP prevê que durante o estado de calamidade pública, “empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.”
Para abordar a Constitucionalidade do artigo, importante analisar a disposição final do mesmo: “a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.”
Há incoerência visível no dispositivo, trazendo insegurança a empregado e empregador. Vejamos.
O artigo 7º, inciso VI da Constituição Federal assim estabelece:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho.”
De pronto, quando a redação da MP estabelece a realização de acordo individual para manutenção do vínculo empregatício, evidente que esse acordo não poderá reduzir salários conforme previsto no inciso VI do artigo 7º da Constituição acima transcrito. Isso, sob pena de que o acordo individual seja caracterizado como inconstitucional. Assim, havendo necessidade de redução ou supressão salarial para garantia do emprego, a negociação necessariamente será realizada com a participação do sindicato de trabalhadores, que submeterá a proposta patronal aos empregados em regular assembleia.   


4. Suspensão e interrupção do contrato de trabalho. Constitucionalidade.

Muito embora tenha sido revogado logo em seguida pelo Presidente da República, o artigo 18 da MP estabelecia: “...o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.”
Eis as demais disposições do artigo 18 revogado:
§ 1º  A suspensão de que trata o caput:
I - não dependerá de acordo ou convenção coletiva;
II - poderá ser acordada individualmente com o empregado ou o grupo de empregados; e
III - será registrada em carteira de trabalho física ou eletrônica.
§ 2º  O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do disposto no caput, com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual.
§ 3º  Durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, que não integrarão o contrato de trabalho.
§ 4º  Nas hipóteses de, durante a suspensão do contrato, o curso ou programa de qualificação profissional não ser ministrado ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, a suspensão ficará descaracterizada e sujeitará o empregador:
I - ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período;
II - às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor; e
III -  às sanções previstas em acordo ou convenção coletiva.
§ 5º  Não haverá concessão de bolsa-qualificação no âmbito da suspensão de contrato de trabalho para qualificação do trabalhador de que trata este artigo e o art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
Os operadores do Direito do Trabalho sabem perfeitamente que, a suspensão do contrato de trabalho é extremamente prejudicial ao trabalhador. Na suspensão, não haverá pagamento de salários e menos ainda, por consequência, contagem de tempo para efeito de aposentadoria. Já, na interrupção do contrato, ocorre o pagamento de salários e o tempo da interrupção computado para fins de aposentadoria. A conclusão é que a suspensão do contrato de trabalho na forma proposta e depois revogada que constava do artigo dezoito da Medida Provisória é inconstitucional. Na mesma linha de interpretação acima, de que não poderá reduzir ou suprimir salários, conforme previsto no inciso VI do artigo 7º da Constituição, sem que ocorra negociação coletiva com a presença da entidade sindical e aprovação ou não pela assembleia de trabalhadores da empresa.


5. Conclusões

Provado o estado de “força maior” ou “caso fortuito”, com a degradação financeira demonstrada por balanços financeiros mensais, a empresa pode solicitar ao sindicato de trabalhadores, seja realizada assembleia, apresentando a proposta, ou propostas, aos mesmos e se aprovada ou aprovadas, serão deduzidas em acordo coletivo para registro. Caso contrário, seguindo o que dispõe a Medida Provisória, o acordo individual de redução ou supressão de salários, submetido ao crivo do Judiciário, invariavelmente será julgado nulo pela Justiça. A dignidade da pessoa humana é princípio absoluto previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. Impossível nesse momento de “calamidade pública”, conceber a ampliação do desequilíbrio social e fragilização da parte mais vulnerável, os trabalhadores, não observando os princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana e, irredutibilidade ou supressão de salários.   


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